29 junho, 2010

Caminho de casa

Feito, até mais.
Desço do carro. Um fusca, na verdade. Como de costume, quando se vai embora, acena-se para de quem está se afastando.
Começo meu não-tão-longo caminho até minha residência. Ok, meu pequeno caminho até ela.
As ruas não têm a melhor iluminação, mas consigo ver o meu trajeto pré-definido, começo a andar. Passo por uma lixeira verde, comum nessa cidade, olho pra frente.
Minha atenção não é das melhores, e, logo, começo a olhar pra todos os lados enquanto ando.
Um homem aparece, do outro lado da rua, roupas escuras, boné. Imagino que ele seja um assaltante, pois cobre o rosto com o boné. Fico cada vez mais atento aos movimentos, procurarndo algum indício de que ele quer atravessar a rua.
Me engano, ele só queria continuar seu trajeto, e, provavelmente, ir para sua casa, para descansar.
Continuo meu caminho. Mais uma vez, avisto alguém caminhando do outro lado da rua, no mesmo sentido que o outro havia antes caminhado. Tento analisar suas vestes, seu modo de caminhar, mas tudo como a miopia me permite. Vejo que carrega uma mochila, e parece pesada.
Imagino que seria difícil pra ela, sim, agora uma mulher, pelo que eu consigo enxergar, correr atrás de mim se tentasse me assaltar. E, por um instante, me vem à mente que ela deve estar imaginando o mesmo sobre mim.
Olhares se cruzam, eu percebo que ela me olha, e ela percebe que eu olho para ela. Ela já não presta mais tanta atenção no seu caminho, me encara como se imaginasse que eu fosse assaltá-la.
Assim que não posso mais vê-a com o canto do olho, volto a minha atenção à minha frente, tendo em mente, mais uma vez, o meu caminho. Algumas sombras parecem se mexer, mas percebo que é só o vento movimentando as coisas por perto.
Chego à porta do prédio no qual moro, troco algumas palavras com o porteiro, nada muito interessante. Subo as escadas, imaginando uma história que se passa durante esse pequeno trajeto até chegar em “casa”.
Mais uma vez seguindo o costume, ao chegar em casa ligo o computador (na verdade só o monitor, já que deixei o computador ligado antes de sair), e, saindo da rotina, começo a escrever um conto.

23 junho, 2010

Quão poderosa é uma criança?

Eu voltava do colégio para casa no trasporte escolar perto do meio-dia. Era uma quarta-feira relativamente quente para o inverno, e as baterias do meu Mp4 haviam acabado aquela manhã enquanto ia fazer aquelas malditas provas, então eu nada podia fazer a não ser contemplar a vista monótona da cidade que ia passando enquanto aturava as conversas bobas dos meus colegas. Essa no entanto me chamou a atenção:

*click, click, click*
- Caralho, é de verdade?
- Aham.

- "Claro que é..." - Pensei comigo mesmo num tom irônico... e até dei um sorriso que logo se desfez quando fiquei me perguntando se plástico podia brilhar daquele jeito. - "Vai ver é uma arma de chumbinho muito bem feita, importada e cara." - Sim, isso mesmo... havia de ser isso. Era uma explicação plausível, mas eu não conseguia tirar os olhos do revólver. Era bem feito demais...
Ele colocava-o sob o maxilar e puxava o gatilho diversas vezes *click, click, click* e fazia umas caretas com os olhos revirados e a língua de fora. Eu completava a cena imaginando sangue e uns pedaços mais solidos disso e daquilo pelo teto e pela janela. Ele ria e balançava a arma como um pequeno gangster, fazendo piadas sobre roleta russa, e seus amigos riam junto. Certamente havia impressionado seus amigos, missão cumprida.

Pelo o que pude captar da conversa, seus pais (pai militar) estavam em um uma curta viagem e sua avó aparecia duas vezes por dia em casa para preparar almoço e janta, e ele havia encontrado a arma do pai no armário ou algo assim. Ótimo, logo na minha van havia uma criança insensata e armada... (pelo menos o tambor não estava carregado, se estivesse, ele já teria atirado no cara sentado na frente dele e na própria cabeça, sem falar na garota ao lado, que parecia estar gostando da brincadeira também). Ninguém mais tinha ouvido aquilo? Seria eu o único prestando atenção na conversa deles? E a arma? Certamente tinham visto ela. Seria possível terem achado que era de brinquedo? Ou seria medo? Por que ninguém fazia nada? Por que eu não fazia nada?

Ele colocou a mão na mochila e tirou uma bala. Arregalei os olhos.
- Vamos jogar roleta russa, só pra ver quem morreria. É só não puxar o gatilho. - disse a seus amigos.
Parecia uma distância muito curta para mim, para considerar aquilo uma brincadeira. E para os amigos dele também, que se entreolharam.
Ele colocou a bala no tambor. Senti todos os músculos do meu corpo se contrairem. O tambor tinha seis compartimentos. Aproximadamente 16,6% de chance da bala parar na agulha, mais a possibilidade da arma estar apontada para mim, desconsiderando outras possíveis variáveis. Sabe, nunca tinha percebido como 16,6% era uma porcentagem assustadoramente alta.

Eu não podia correr aquele risco. Não podia. Apesar de eu reclamar constantemente sobre a vida, a única coisa na qual eu conseguia pensar naquele momento era que morrer naquela hora era cedo demais. Me concentrei um momento e me dirigi a ele em tom moderado e seguro:
- Escuta aqui, tu tá a um passo de dar um tiro em alguém (eu só pensava em mim), não quer esperar eu descer pra fazer isso? Tira essa bala daí.
Ele me olhou. Ele sabia que eu podia contar para alguém sobre aquilo, sabia que era ilegal (e mesmo assim eu temia sua reação); e concordou. Tirou a bala do tambor e guardou tudo. Eu não via a hora de descer daquela van.

Passei o resto da viagem tenso, dando umas olhadas para o lado , para verificar se ele havia pego novamente seu "brinquedo". A algumas quadras de casa eu viro a cabeça e vejo ele com o revólver em suas mãos. - "Agora não, estou quase em casa." - pensei. Enquanto desço vejo ele mostrando o que tem para uns garotos do ensino médio no fundo da van. Consigo ouvir antes do transporte se afastar algo como "Porra, que foda!". Não irei ao colégio amanhã nem sexta-feira. Espero que isso já tenha se resolvido na segunda, tenho mais provas pra fazer.